Solidão: um livro para pessoas

Compartilhar:

Autor

“Em dezembro de 1982, o jornal O Estado de S. Paulo publicou uma série de reportagens do jornalista José Maria Mayrink que tinham por tema a solidão dos paulistanos. Textos como aqueles – longos, em primeira pessoa, literários – raramente são publicados atualmente pelos jornais e revistas brasileiros.
[…]
Sentir-se só, mesmo em meio à multidão. Era o que relatavam muitas dessas pessoas: a solidão urbana, quando o sozinho não está necessariamente só. Ao seu redor estão vizinhos, colegas de trabalho, família numerosa, amigos, e para completar o barulho da vida, uma cidade ensurdecedora em seu movimento. A solidão nesses casos era (é) a falta de algo a mais, que, de tão urgente, paralisava e angustiava. Como se a vida parasse diante de um obstáculo intransponível. Os entrevistados falavam de um peso naquela falta. O vazio pesava. E o futuro se tornava um pesadelo vindo a passos lentos.”

(Trecho transcrito das orelhas do livro Solidão)

Solidão é um livro que coleciona diversas entrevistas ou relatos de pessoas que sofriam com a solidão na capital de São Paulo. E ele é extremamente tocante, talvez por nos mostrar diretamente o ponto de vista das vítimas desse mal do século. Ter um contato tão íntimo com essas pessoas aleatórias, que geralmente são apenas sombras no dia a dia, desafia seu modo de ver o mundo e te convida a enxergar o ser humano de outra maneira: todo mundo sente algo, não podemos ver as pessoas apenas como cascas ou generaliza-las numa massa. O humano, esse indivíduo, precisa de ajuda, cada vez mais.

O presidiário prende a solidão aos limites de sua pena, o cego a percebe pelo silêncio dos que lhe negam a palavra, o mendigo dorme com ela no frio da calçada. Convive com os doentes nos hospitais, incorpora-se aos anos da velhice. Mas não é uma doença só de “marginalizados” na vida. Esconde-se atrás da esperança dos jovens e do sorriso das crianças. Há pessoas “normais” que choram de solidão.
São estes personagens – os solitários – que vão falar de sua solidão, neste livro.

Para você ter uma ideia, pelo menos 10 pessoas tentam se matar por dia na capital paulista. Os motivos? Tédio, solidão, coisas do tipo…
Por que as pessoas se matam? Por que são solitárias no meio da multidão? Por que não conseguem devolver o amor que recebem? Por que a solidão só é vista como sofrimento? Essas são perguntas que o livro tenta responder, e faz isso de forma magistral.

E quando as pessoas estão na multidão mas se sentem sozinhas? Na Praça de Sé, que é o centro geográfico de São Paulo, pode-se observar, durante horários de pico, uma massa amorfa de humanos. Sem rosto para os outros, essas pessoas estão ali apenas de passagem, não se abrem para ninguém. Mas também, quem é doido de parar a corrida da cidade para se solidarizar?

Confira, a seguir, um pouco mais do livro (adaptado por mim, para evitar problemas rs):

São Paulo também é moradia de diversas pessoas de outros estados, que viajam em buscas de melhores oportunidades. Mas nem sempre é o que encontram. Há muitos moradores de rua que, com um violão, cantam com saudades as músicas de sua terra natal. Por vezes sozinhos na grande cidade, eles se juntam em pequenos grupos para viver melhor.
Não é o caso de Ana Maria, mulher que deu seu relato ao jornalista, uma nordestina que havia sido abandonada por seu marido a um ano na data de entrevista, e vivia sozinha com sua filha. Quando entardecia, deixava a filha de cinco anos com a vizinha e dizia que ia para o plantão médico. Todos acreditavam. Sem estudo, ela já tinha tentado ser manicure e cabeleireira, mas o dinheiro não deu. Encontrou a quantia que precisava numa boate, onde trabalhava de short e sutiã e fazia companhia aos homens. Ao contrário de suas amigas, ela não dorme com os homens, apenas conversa e permite que eles “façam carinho”. Ganhava comissão pelas bebidas que os homens pagavam, mas sua colegas conseguiam o dobro de renda ao aceitar sair com os clientes. Ela estava resistindo.

 “Essa alegria toda é falsa, não quero saber disso aqui, embora não queira também condenar as outras… Se estão aqui, é porque gostam ou precisam.”

A situação piora quando ela chega em casa

“A solidão que começa na boate continua em casa, pois mal vejo a minha filha, que eu adoro. Quando ela vai para a escola, eu entro no quarto e choro. Mesmo quando estou com a menina junto de mim, me sinto só.”

Lúcia, mineira que foi morar na capital paulista, entende essa solidão. Em 1982 ela publicou no jornal O Estado de S. Paulo um pedido de socorro:

Mineira solitária
Obrigada a me transferir de Belo Horizonte, por razões profissionais, estou sozinha e sem amigos em São Paulo. A cidade me sufoca durante o dia e me isola à noite num pequeno apartamento de bairro. Não sei o que fazer, não tenho a quem recorrer, às vezes chego quase ao desespero. Quero gente para conversar, quero pessoas ao meu lado, socorro para uma solidão que não sei definir, mas que me atormenta. Ajude-me, por favor. (Cartas para uma “Mineira solitária”, aos cuidados deste jornal, Caixa Postal 8005, CEP 01000, SP).

Como resultado, ela recebeu mais de 370 cartas (cerca de 20 estão no livro), de pessoas que se identificavam, que queriam ajudá-la (recebendo-a para um almoço com a família, oferecendo-se para sair juntas, lhe chamando para sair, etc..) e pessoas que lhe davam conselhos.
A solidão é uma dor latente para quem já viveu muito sem sua presença. Tomás se apoiava em seu trabalho para esquecer a morte de seu amor, Dora, apenas alguns meses atrás. A morte dela transformou sua vida.

Pouco paro em minha casa, eu que era um sujeito caseiro. é o vazio, a falta de convivência. Percebeu que ela está fazendo falta no trato da gente, das plantas, da casa toda. Até a poeira se percebe. Entro e sinto falta até do silêncio dela, de apenas saber que ela está ali, no andar de cima. A companhia nem sempre precisa ser uma palavra.

Cida, viúva há mais de vinte anos, até à época, não tinha encontrado algo para preencher o vazio que a falta do companheiro causava, ela saia do emprego rezando e chorando, tamanha é a saudade de uma felicidade que não volta mais.

Outros que sofrem com a solidão são os viciados, e muitos grupos procuram ajudá-los. Os Neuróticos Anônimos, por exemplo, se reúnem toda quarta-feira às 2 horas da tarde na igreja de Santa Ifigênia. Qualquer um pode entrar ou sair sem precisar dizer nada. No início da reunião, eles fazem uma oração e revisam as regras da sociedade, mas os depoimentos são informais.
Cada um tem oito minutos para desabafar, o anonimato é totalmente protegido e ninguém comenta o que o outro diz. No dia 17 de novembro, quando quarenta mulheres e dez homens assistiam ao encontro dos NA de Santa Ifigênia, uma moça começou a soluçar convulsivamente, ao chegar a hora de seu depoimento. O problema dela era sua extrema solidão (explicou uma das participantes), mas ela não foi capaz de falar nada. Os neuróticos a deixaram chorar, na esperança de que num dos próximos encontros possa quebrar o bloqueio do silêncio.


Solidão é um livro extremamente triste, depressivo e marcante. Mas é incrível, pois as histórias, os relatos, as pessoas, te consomem e te deixam absorto em nuvens de pensamentos sobre a sociedade e o indivíduo.  É impossível ler ele e não ficar com algum dos relatos na cabeça.
Dentre diversas outras marcas, o livro me deixou duas certezas: 1. o ser humano precisa ser mais valorizado, e qualquer ajuda já é imensa. 2. lerei ele diversas vezes durante a minha vida.
Como dito anteriormente, ele muda o seu jeito de ver as pessoas, os relacionamentos entre as pessoas e como conversamos sobre a tristeza e a… Solidão. É um livro que todos deveriam ler, pois te faz entender melhor o ser humano.

Leia mais sobre o assunto:
Estadão – Em livro, José Maria Mayrink narra histórias de solidão
Catálogo da editora Geração – Solidão

 

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Posts Relacionados