A vergonha antrópica em “Ego brain”

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Ego brainé a faixa 13 do álbum Steal this album, lançado em 2002 pelo System of a Resultado de imagem para steal this albumdown, banda pela qual tenho um grande apreço, principalmente por esse álbum em que ouso dizer que é o melhor de sua discografia, mesmo sabendo que é quase um crime dizer isso de um álbum feito basicamente de músicas “lado B” (mesmo com a “I-E-A-I-A-I-O” sendo bem frequente nos setlists da banda até hoje), na verdade Steal this album foi feito com sobras do Toxicity, álbum aclamado tanto pela crítica quanto pelos fãs.

Mas o que de tão precioso essa faixa “lado B” de um álbum “lado B” esconde? Eu queria expor uma ideia sobre o que essa música representa e o que quer dizer na letra, mas antes eu tenho que falar do instrumental, afinal… é System!

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O pré-requisito, mesmo que óbvio, é que você ouça a música para entender do que exatamente estamos falando:

[youtube https://www.youtube.com/watch?v=EhlKVQZq2yM&w=560&h=315]

A música começa com um belíssimo riff de violão dobrado com a guitarra limpa, o que talvez estrague esse riff é a entrada do sintetizador para preencher mais o som, se você conhece o S.O.A.D. sabe que sintetizadores não são um ponto forte em suas músicas, sim, a harmonia ou as frases são até legais, mas os timbres são lamentáveis, vide “Old school Hollywood”:

[youtube https://www.youtube.com/watch?v=3Mu4ntsKHmI&w=560&h=315]

Depois disso entram a bateria e as vozes de Serj e Daron, com um belo dueto calmo e suave, o que é atípico nas músicas da banda, então logo já percebemos que em algum momento essa música vai “estourar”. E essa explosão vem quando os dois cantam “Ego brain”, onde entra a guitarra com distorção e a bateria passa a ficar mais compassada, o ambiente que essa virada cria é um perfeito background para a letra que está sendo cantada.

Vamos analisar a letra desde o início

Life is but a dream
Drifting on a stream
A stream
Consciously it seems

A vida é só um sonho, à deriva em um fluxo, um fluxo, conscientemente parece

Esta parte pode causar muita dúvida sobre que interpretação tirar, isso por causa da tradução, como a palavra “stream” que pode ser traduzida como “fluxo”, este fluxo pode ser um fluxo de água para fazer uma ilustração do cenário, já que em “Aerials” ouvimos que “A vida é uma cachoeira”, assim seria mais prudente traduzir “drifting” como algo como “derivando” (no sentido de “ficar à deriva”), assim a vida é só isso: um sonho em que você encontra-se perdido e sem direção, e é o que conscientemente parece.

All of what remains
Ego brain
Man-made shame
Shame, love after it rains

Tudo o que resta: cérebro de ego, vergonha antrópica, vergonha, amor depois da chuva

Dentre as coisas que nos restam nesta vida, que é retratada como uma ilusão, está o “cérebro de ego”, ou seja, uma mente que só pensa em si mesmo, sem se importar com ninguém, isto e a tal vergonha antrópica, que também pode ser traduzida como “vergonha artificial” e é aí que moram outras duas possibilidades de interpretação, ao encarar que “man-made shame” é “vergonha artificial”, encaramos que essa vergonha é algo falso, não é real, é apenas um utensílio social, mas se encararmos como “vergonha antrópica”, chegaremos a conclusão de que a vergonha é algo construído pelo homem e instituído na sociedade, como sendo algo obrigatório diante do contrato social.

You see my pain is real
Watch my world dissolve
And pretend that none of us see the fall
As I turned to sand
You took me by the hand
And declared, that love prevails over all

Você vê que minha dor é real, assiste meu mundo se dissolver, e finge que nenhum de nós vê a queda. Enquanto eu virava areia, você me pegou pela mão e declarou que o amor prevalece apesar de tudo.

Como vimos que as pessoas só se importam com elas mesmas, ninguém ajuda ninguém, mesmo quando vemos o próximo sofrendo e precisando de ajuda, prestes a padecer, e ainda assim somos capazes de dizer que o amor prevalece, e que devemos amar uns aos outros. É o mesmo contraste que ouvimos em frases como “é necessário fazer guerra para alcançar a paz”.

I am just a man
Fighting other men
For land, for land
While I turn to sand

Sou apenas um homem, lutando contra outros homens por terra, por terra, enquanto viro areia

Aqui a temática da música fica ainda mais escancarada, a contraditório propósito de guerrear pela paz.  O que é impressionante é a forma como a guerra é descrita, que chega até a ser algo pueril, e é mesmo, são só homens brigando por terra até morrer.

In spite of the pain
Ego brain
Man made Shame
Shame, Love after it rains

Apesar da dor: cérebro de ego, vergonha antrópica, vergonha, amor depois da chuva

Mesmo sofrendo com a mesma dor do próximo, nos limitamos a tratar apenas de nós mesmos e menosprezar a do outro, fazendo descaso ou até mesmo atingindo o outro, para tentar se sobressair à situação, a guerra é um ato egoísta.

Dito isso, entra um solo de sintetizador, que é até bonito, apesar do timbre que… já falamos sobre isso, e então volta ao pré refrão.

A temática desta música e a profundidade da letra é o que faz delas uma das minhas favoritas da banda, e isso porque ouvindo superficialmente dá pra ter-se até uma noção do que se trata, mas quando nos aprofundamos temos quase que um “despertar”, como esta música que nos faz repensar como lidamos com as pessoas ao redor, se estamos sendo apenas apáticos ou até mesmo cultivando o ódio contra ideias divergentes, quando na verdade sentimos as mesmas dores e compartilhamos dos mesmos sentimentos.

Não tô pedindo pra você plantar empatia, até porque eu só escrevi um texto aqui, não sou seu pai, mas só não se portar com indiferença ao problema do outro já é alguma coisa.

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