Dando liberdade de estratégia ao jogador

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Uma mecânica simples e vital em jogos de Stealth é a dos inimigos irem atrás de algum barulho. Originalmente, ela deveria servir como uma maneira de intimidar o jogador: fez barulho? Cuidado, o inimigo está indo até você. Era, por tanto, uma simples mecânica que fazia uma coisa simples.

Mas os jogadores são criativos. O que eles fazem? Se aproveitam dessa mecânica. Seu eu fizer um barulho, o inimigo irá até o local? Ótimo, vou fazer um som, sair do lugar e, quando o inimigo chegar lá, vou ataca-lo pelas costas.
Isso é tão bem pensado, tão criativo e tão utilizado pelos jogadores, que a maioria dos jogos de Stealth possui uma mecânica voltada para essa nova utilização. Jogos da série FarCry, por exemplo, permitem que você jogue pedras no ambiente, afim de fazer barulhos em lugares distantes.

Esse é o caso de uma única mecânica que, por ser simples e quase não ter, ou não ter mesmo, exceções, permite que diversas brechas sejam de fácil percepção. Se um inimigo ouviu um barulho, ele vai na direção do mesmo, não tem meio termo, saca? Claro, você pode adicionar exceções, que deixam o jogo mais interessante. Por exemplo, você pode fazer o inimigo não ir na direção do barulho se ele não tiver visto algo de estranho, o que já dificulta mais a vida de quem está jogando.

Mas não só de mecânicas únicas e simples viverá um bom jogo. Algo mais interessante ainda é permitir que duas mecânicas interajam entre si, e as vezes você nem percebe que elas podem interagir, mesmo tendo programado tudo.

Como exemplo, podemos pensar em algum jogo onde a protagonista tem… Uma arma que, ao atingir algo feito de metal, puxa ela pra direção dessa coisa. Ok, dá pra criar diversos puzzles com isso ou estratégias. Hora de pensar em outra mecânica: alguns inimigos tem armaduras que aumentam a resistência, e as armaduras são feitas de metal! (nessa hora o sininho já deve ter batido na sua cabeça, mas, como dito anteriormente, nem tudo é óbvio desse jeito). Se o jogo fizer o favor de não esfregar isso na sua cara, vai ser incrível pro jogador descobrir que ele pode usar sua arma de ímã pra se aproximar dos inimigos com mais resistência e, sei lá, matar eles com uma Escopeta, que dá mais dano à curta distância.
Imagina a emoção da pessoa em descobrir que podia realizar essa estratégia e o quanto ela deve ter se sentido inteligente por ter pensando nisso. Não foi bem como se os desenvolvedores tivessem dito “olha, o jogador vai poder fazer isso”, o que aconteceu é que a pessoa descobriu uma “brecha” no sistema e utilizou isso a seu favor. E isso é excelente.

Essa pequena história nos ajuda a entender como é importante permitir que jogadores tenham liberdade de inventar suas próprias maneiras de vencer o jogo. Se você monta, sozinho, um plano inteligente para avançar diante de um obstáculo, por que diabos o jogo deveria te punir?

Aliás, essa é uma das principais dicas para mestres de RPG. “Recompense seus jogadores”, “reconheça um plano inteligente”, “Dê prêmios pela criatividade”. Não há nada mais frustrante do que ir todo animado tentar fazer algo e ser respondido com um “Não! Você tem que fazer aquilo que eu planejei!”.

Criar brechas para que jogadores tenham a liberdade de inventar estratégias não é um monstro de sete cabeças. Mesmo que seja difícil criar as próprias mecânicas que abram “brechas”, nada te impede de se basear em outras ou mesmo copiar algumas.

Em Breath of the Wild, por exemplo, você tem duas mecânicas que combinam bem, embora não sejam anunciadas desse jeito:

1. Quando você chega no acampamento de um inimigo e é visto por ele, o mesmo irá pegar a arma dele para lutar com você

2. Você pode chegar escondido no acampamento e pegar a arma dele

Isso é suficiente para que o jogador raciocine: se eu pegar a arma antes e depois fazer o inimigo ir atrás dela, o que acontece?

Nesse caso, os desenvolvedores pensaram nisso e adicionaram a possibilidade de os inimigos atacarem sem armas (causando muito menos dano, claro).

Mas uma dica boa é: não se preocupe com essas táticas (ah não ser que elas quebrem o jogo), ficar tentando adivinhar onde uma mecânica ou a combinação delas pode ser explorada vai acabar consumindo muito do seu tempo, tudo isso pra ficar criando if’s que vão limitar as possibilidades do jogador se virar.


Gostou desse texto? Rapaz, parabéns… Bem, talvez você também goste desses:

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Imagem da capa: Ahoy – vídeo: Mechanical Minds – Nuclear Fruit, Part One (os efeitos da Guerra fria nos vídeo-games, legendado em português) (Já passou da hora desse canal ter seu próprio post aqui no blog)

Se quiser ler mais sobre esse assunto, você pode ler esse artigo do gamasutra: Artificial Intelligence – A missing opportunity in games.

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