Quando Lovecraft quebrou a regra de Lovecraft e ficou famoso

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CTHULHU OCORRE NADA ACONTECE FEIJOADA

Lovecraft, autor dos mythos de Cthulhu, é um escritor que, em vida, não atingiu o estrondoso sucesso que desejava. Sim, suas obras possuíam pequenos grupos de fãs e tinham o levado a adquirir contatos interessantes dentro da imprensa, mas nada disso pagava suas contas efetivamente. Sendo um escritor de contos para revistas no início do século XX, ele sofreu algumas dificuldades, o que também não o impediu de adquirir amizades no meio e alcançar uma certa felicidade na vida.

Ele se foi em 1937, mas suas obras continuam a reverberar até hoje. Logo após sua morte, seus amigos se juntaram para recuperar seu legado e permitir que ele sobrevivesse aos “eons do tempo”. E dá pra dizer que, até agora, eles cumpriram bem o objetivo. A influência ‘lovecraftiana’* está presente em histórias, filmes, jogos e permeia o imaginário popular com suas figuras bizarras e não-euclidianas. Inclusive, não é difícil encontrar pessoas que já ouviram falar do Cthulhu, mas nunca de seu autor.

 Quer saber como identificar uma influência dos mythos de Cthulhu em alguma obra? Se liga nessa frase do Lovecraft:

“Eu nunca gasto mais do que $ 3.00 em comida por semana, as vezes não chego nem perto desse valor”

opa, frase errada

“O sentimento mais antigo e mais sombrio da humanidade é o medo, e o medo mais antigo e sombrio da humanidade é o medo do desconhecido”

 Essa ideia se manifesta das mais diversas formas. Temos como exemplos, na própria literatura lovecraftiana, seres que não sabemos se são monstros ou aliens cuja aparência desafia o “normal” do nosso mundo, com descrições físicas que beiram o absurdo. No cinema e em jogos, é comum que o “monstro” da história não apareça diretamente e só vejamos seus efeitos (como em ‘caixa de pássaros’).
 Lovecraft também era racista foi o criador do chamado”horror cósmico”, que se baseia na futilidade da existência humana diante de um universo cheio de mistérios e seres muito mais inteligentes que nem se importam com a gente. Eles realizam suas jogadas sem se importar com os efeitos que isso terá nos humanos, afinal, você se importa com o formigueiro que existe na beira de uma estrada que você passou?
 Justamente por isso, nos RPG’s de mesa baseados nos mythos de Chulhu, a ação mais recomendada ao encontrar uma criatura desconhecida é justamente fugir, dar um fora, cascar o pé, ralar o peito. Não ache que pode vencer facilmente, pois ele são mais inteligentes, mais fortes e mais cruéis do que podemos imaginar.

ENTER THE CALL OF CTHULHU

 É de comum senso que esse conto foi o que mais atraiu atenção para o escritor durante sua vida. Muitos afirmam que é a sua melhor obra, e com uma certa razão.
 A história fala de um policial que investiga a morte e os estudos de seu parente. Não demora muito até ele bater de frente com itens esquisitos, sonhos bizarros e cultos sinistros.

(Vou ter que começar a dar spoilers daqui para frente. Na minha opinião, saber o que ocorre na história não afetará diretamente o quanto você aproveita ela, uma vez que a diversão está no progresso da narrativa.
 Você pode encontrar o conto gratuitamente pela internet e em diversos livros, uma vez que ele entrou em domínio público há algum tempo)

  Em diversos contos os personagens principais tem de lidar com espécies monstruosas e, alguns casos mais raros, lidar também diretamente com entidades específicas, tais como Nyarlathotep, Dagon, a cria de Yog-sothot, etc…. É de lei que esses encontros gerem mortes, insanidade e muita desgraça no geral (afinal, desgraça pouca é bobagem). E é isso que se espera quando alguém enfrenta criaturas semi-divinas de outra dimensão.
 Imagine então o estrago que Cthulhu, possivelmente o mais poderoso dos antigos que habita a terra. Seu corpo enorme, com asas de dragão, tentáculos na cabeça e garras afiadas, é de fazer qualquer um perder a razão apenas pelo contato visual. E a situação piora quando lembramos que ele mora nas profundezas do oceano e acorda em raros momentos para andar novamente pela superfície da terra, apenas para cair no sono novamente em alguns instantes.

 No decorrer de “O chamado de Cthulhu”, o monstro utiliza seus poderes para influenciar pessoas a sonharem com sua prisão que, um dia, já foi seu império. Pessoas loucas organizam cultos para adora-lo e adiantar seu despertar definitivo, o que traria o fim da humanidade. Na sua opinião, qual seria a chance de um pequeno grupo de pescadores topar com essa criatura e conseguir “vencer” ela?

 É, jovem. É disso que estamos falando.

 O policial que estava investigando os estudos de seu parente dá de cara com um marinheiro que lhe conta a história surreal do dia que encontrou esse terrível ser.
 No relato, ele afirma ter encontrado a cidade de R’lyeh, a prisão de Cthulhu. Ele e seus companheiros teriam descido do navio para explorar aquela estranha “ilha”, quando acabaram se deparando com Chutlhu despertando de seu sono profundo. Foi um massacre. Alguns dos marinheiros morreram apenas de ver a criatura, outros foram esmagados pelos seus tentáculos e alguns sucumbiram à loucura. Mas é óbvio que alguém sobreviveu para contar a história. Um deles conseguiu chegar ao navio e tentou fugir, mas Cthulhu mergulhou na água para ir atrás dele. O marinheiro então girou o navio contra a criatura, acelerou com tudo que podia e colidiu com o monstro, que se esfarelou em uma nuvem (?). O homem conseguiu fugir e, quando a nuvem começou a se juntar para formar Cthulhu novamente, ele já estava longe demais.

 Quando eu li o conto pela primeira vez, minha reação foi “espera, ele conseguiu escapar derrotando o Cthulhu? Qual a velocidade que esse barco tem pra conseguir fugir de uma criatura aquática com mais de 30 metros de altura?”. Tudo bem que em outros contos você também tem criaturas sendo destruídas por humanos, mas nenhuma delas era tão importante quanto Chutlhu é para os Mythos.
 O conto é impecável durante a investigação (bem, tirando toda a parte racista que… Constitui uma parte considerável da história), a técnica lovecraftiana de criar situações misteriosas que levam a situações mais misteriosas ainda é muito bem executada, e o momento do encontro com o grande monstro é de tirar o folêgo. O problema é que, para ter essa última cena, alguém precisava sair vivo dela. Lovecraft precisou quebrar sua própria regra de que “a humanidade não tem nenhuma chance” para escrever seu conto como queria, e esse sacrifício se mostrou extremamente valioso.
 “O chamado de cthulhu” rendeu muito para seu autor e chama atenção até hoje. Lembra que eu falei que algumas pessoas conhecem Cthulhu mas não conhecem Lovecraft? Esse monstro se tornou tão popular que é possível encontrar referências a ele em infinitos lugares.

Talvez sirva de lição para nós que criamos conteúdo, seja música, pixel art ou desenhos, e nos atrelamos a algumas regras, quando quebrar elas pode trazer sentimentos interessantes de choque ou curiosidade por parte de quem consome.

*[30/03/2018 17:58] Danrley: Você chamou ela para sair usando o termo “lovecraftiano” e ela continuou conversando com você

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