Domínio público, a melhor invenção da humanidade

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Autor

Artista original: Christopher DOMBRES


 

    Quem gosta de ler sabe como é gostoso sentir que valeu a pena o dinheiro investido num livro.

    A literatura no mundo todo continua produzindo obras interessantes e movimentos literários incríveis, mas sempre há espaço para os clássicos. Dos livros mais caros e enfeitados até os mais baratos e simples, é possível encontrar diversas versões de livros clássicos e que influenciaram a cultura ocidental ao longo do tempo. Se hoje temos um acesso muito mais fácil a eles, devemos agradecer ao domínio público… Mas o que é isso mesmo?

    Domínio público é  o nome que se dá a uma condição no qual certas obras não possuem direito autoral. Em termos práticos, significa que tudo aquilo contido na obra original pode ser copiado, modificado ou distribuído gratuitamente. Quer colocar um trecho de Frankstein no seu livro? Fique a vontade. Lançar uma versão adaptada de Dorian Gray para a atualidade? Deus te abençoe. Abrir uma livraria para vender obras de Machado de Assis? Tenho certeza que ele não vai se incomodar. Graças ao Domínio Público, você pode fazer isso e muito mais com essas e outras obras, contanto que dê créditos ao ator (ou autora) original. Ah, vale lembrar que traduções tem seu próprio direito autoral, então vai ter que fazer sua própria tradução de Moby Dick antes de fazer o que quiser com ela, ou você pode esperar 70 anos depois da morte de alguém que traduziu.

    É, 70 anos. Esse é o tempo após a morte do autor para que uma obra entre em domínio público e possa ser utilizada por qualquer um. Esse é um tempo que permite que 2 ou 3 gerações da família do autor se beneficiem dos direitos autorais de seus trabalhos antes que eles se tornem “de todo mundo”.
    Exemplo: Tolkien, escritor de Senhor dos Anéis e outros livros de nerds, morreu em 1973. Como a contagem começa a partir de 1º de janeiro do ano seguinte à morte, seus escritos devem entrar em domínio público em 2045. Até lá, possivelmente seus tetranetos ainda estarão lucrando com adaptações de filmes, peças de teatros e, claro, publicações dos livros em si. Não só isso como eles tem direito a se recusar a vender o direito de adaptação/publicação para alguma empresa que não gostem.
    70 anos parece uma boa quantidade de tempo para que seu trabalho continue ajudando a família e seus descendentes… Mas e se a pessoa não tiver descendentes? Simples, aí as obras entram em direito logo após sua morte. Afinal de contas, quem ficaria com os direitos se funcionasse de outra forma?

    Esse ano, inclusive, marcou a entrada das obras de George Orwell para o domínio público, o que explica porque tem tantas editoras lançando novas versões do livro, ao ponto da @MulherTamarindo (Twitter) ter catalogado todas as edições que estão pra chegar. De início pode parecer um pouco assustador ver essa enxurrada de livros “iguais”, mas vamos lembrar dos benefícios. As editoras não precisam pagar direitos autorais para o autor, então basta  traduzir (melhor ainda se a obra original tá escrita na sua língua, nem precisa pagar alguém pra traduzir) e seguir o processo normalmente – o que já proporciona uma redução no custo. Além disso, o fator competição entra com tudo já que outras editoras também estarão lançando o mesmo livro. Nesse contexto, algumas procuram se destacar lançando edições mais charmosas enquanto outras miram o público mais pão duro e lançam edições mais simples (geralmente versões “de bolso”). No final, todo mundo sai ganhando.

    Menos, é claro as empresas que lucram em cima daquilo que possuem direito autoral. A Disney, que deslanchou quando começou a produzir animações de contos que estavam do domínio público, como Branca de Neve, Pinóquio e A Pequena Sereia, ironicamente, é a empresa que mais se esforçou para prejudicar o domínio público. Nos Estados Unidos, onde o tempo para entrar no domínio começa a partir da data de publicação da obra, a animação Steamboat Willie, que inclui a primeira aparição de Mickey Mouse, já seria pública em 2004. Isso mesmo, Mickey já poderia ser usado por qualquer um para qualquer coisa, não fosse pelo Sonny Bono Copyright Term Extension Act, uma lei aprovada no congresso estadunidense que aumentava o tempo para uma obra virar pública em 20 anos. A lei também é conhecida como “Ato de proteção do Mickey Mouse”,  dado o papel fundamental que a Disney teve para aprovar a lei através de um lobby e fortíssimas doações políticas. Ironicamente, a empresa que utilizou o domínio público para se estabelecer comercialmente é a que mais atacou ele.
    Obviamente, isso não foi benéfico só para a Disney. Se os EUA tivesse mantido o limite de 70 anos para validade do direito autoral, vários outros personagens também seriam públicos. Alguns exemplos são: Batman, Homem-Aranha, Capitão América, X-men… Já pensou?

    O pior efeito foi ao longo prazo. De 1999 até 2019,  nenhuma obra entrou no domínio público nos Eua. O impacto cultural disso é incalculável, mas como o tempo cura todas as feridas, 2020 já marcou a entrada de novas obras no domínio público.

    O “retorno” do domínio público nos EUA causará uma grande explosão de criatividade na cultura e fará com que olhemos mais para as obras do passado. É animador pensar nas possibilidades que o futuro nos reserva. Ainda bem que o Brasil nunca passou por algo parecido e hoje colhemos os frutos de uma relação saudável com a expiração dos direitos autorais. Um brinde ao domínio público!

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