Empresas e seus produtos, os novos times de futebol

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    Você já deve ter encontrado por aí alguém que é muito fã de uma marca de celular, do tipo que comemora quando ela lança um produto que a pessoa não chega nem perto de poder comprar. Ou então aquela pessoa que é fã de um serviço de streaming ao ponto daquilo fazer parte de sua personalidade. Ou ainda alguém que escolheu um “lado” na indústria de consoles de vídeo-games e vive defendendo aquela empresa na internet. Todas essas pessoas não são exceções – mas sim o comum na nossa sociedade. O capitalismo se alterou com o tempo e se transformou nesse sistema onde símbolos e valores são os fatores mais importantes para uma empresa, ao ponto de nos fazer torcer por elas.

    Esse tema foi amplamente abordado pelo fotógrafo, sociólogo e filósofo francês Jean Baudrillard, criador e divulgador de conceitos como ‘hiper-realidade’ e ‘simulacrum’, além de ter inspirado o filme Matrix (que ele não curtiu muito, diga-se de passagem). Baudrillard se debruçou sobre o que chamava de ‘sociedade pós-moderna’ e seus mecanismos. Juntos desses mecanismos, vamos olhar outros motivos pelo qual viramos “fã” de empresas.

Uma sociedade definida pelo consumo

     Para Baudrillard, a sociedade deixou de ser metalúrgica, onde o valor de um item é relacionado ao seu uso, e se transformou em ‘semiúrgica’, onde o valor de um item é atribuído e acordo com seus símbolos – a mensagem que ele passa. Da mesma forma, o proletariado não é mais uma força de trabalho, mas sim de consumo. Vivemos para comprar o trabalho de outras pessoas, que então compram o trabalho de outras pessoas, e assim a ‘roda’ do mercado continua a girar. Por tanto, consumir é nosso dever, uma obrigação moral com a sociedade.

    Por isso mesmo nossas vidas se tornaram tão voltadas ao que podemos consumir. Afinal, produtos se tornaram indicadores de ideais. Uma roupa da Supreme de 500 dól é muito mais do que um tecido recortado, costurado e pintado – é também um indicador de status, de estilo e modo de vida.
    Comprar agora é uma forma de se expressar e, por tanto, há uma demanda por identificação. Um exemplo claro são os desodorantes: as marcas se desdobram para falar com grupos específicos. Tem comercial voltado para mulheres fortes, para homens “machos” e até [seja lá quem goste dessa banda].
    Assim, já que aquilo que compramos é definido (e acaba moldando) nossa identidade, ter várias opções de marcas disponíveis agora é nosso conceito de liberdade, mesmo que no fundo todas pertençam às mesmas empresas.
    Como diria Humberto Gessinger na música No Meio de Tudo, Você:

Selva
A gente se acostuma a muito pouco
A gente fica achando que é o máximo
Liberdade pra escolher a cor da embalagem

    Como marcas fazem parte da nossa identidade, é muito mais fácil se apegar a elas e sentir algo especial por uma empresa que só quer tirar dinheiro de você (como todas as outras, porque é isso que empresas fazem).

‘Escolha um lado’

    Não é segredo: nada faz as pessoas se unirem mais do que um rival, e o mercado sabe se aproveitar muito bem disso. Se você gosta de X e de repente tem um rival Y, não só vai passar a gostar mais de X como também irá se identificar mais com outros consumidores como você. Essa criação de um laço com a empresa e seus outros consumidores é extremamente benéfico para uma marca e sua imagem… Bem, na maioria das vezes.

    Se você acompanha o mundo dos jogos no Brasil, deve conhecer o famigerado fã-clube da Microsoft que perseguia pessoas online e fazia piadas racistas – tudo isso para defender a glória do Xbox contra a diabólica Sony e seu Playstation. O fanatismo dos caras por um console de vídeo game era tanto que eles criaram esse grupo hostil, que por muito tempo contou com apoio da própria Microsoft.

    Mas as coisas nem sempre são tão extremas. É comum ver aquelas discussões  acaloradas sobre empresas de celular: o xiaominion, o fã da Samsung, o fã da Apple… Sempre comparando tempo de bateria, qualidade da tela e outras coisas que serão irrelevantes daqui 2 anos. A questão é que, não surpreendentemente, a pessoa fã de uma empresa é condicionada a continuar comprando dela, mesmo que a concorrência tenha um produto um pouquinho melhor. Por quê? Bem, primeiro pelo lance da identificação citado anteriormente, mas não podemos ignorar o papel da concorrência/’inimigo’ na mentalidade das pessoas.

É real, só que não

    Voltando para Baudrillard, um conceito fortemente defendido pelo sociólogo era o da ‘Hiper-realidade’. A noção de que somos bombardeados com informações tão fortes que elas substituem nosso conceito daquilo que é real. Quero focar aqui mais especificamente naquele que mudou nossa relação com o planeta: a disponibilidade de bens.

Foto de PixaBay


    A maioria de nós nasceu e cresceu nessa sociedade onde, se você precisa de algo, vai em um supermercado ou shopping. Como disse Ailton Krenak, vivemos em um tipo de ‘mundo mágico’ onde o arroz, o leite e os produtos eletrônicos simplesmente aparecem nas prateleiras, prontos para serem consumidos. Claro que você sabe que as coisas não simplesmente aparecem, a questão é que vivemos longe de pensar na cadeia de produção desses itens e seus efeitos todos os dias – não temos um tato com a fonte desses recursos. Isso corrompe nosso relacionamento com o planeta terra, que “dá” esses recursos, e beneficia empresas, que se passam por provedoras daquilo que nos é necessário para sobreviver.

Palavras Finais 

     Leia Baudrillard. A ideia por trás desse post só surgiu depois de eu ler suas ideias, e mesmo assim não cheguei perto de passar o conteúdo que absorvi lendo sobre o cara. Minha principal fonte foi esse ótimo artigo científico (em português!), além de outros citados no texto. Tive o prazer de conhecer a filosofia pós-moderna através do canal de youtube Jonas Čeika – CCK Philosophy e seu excelente, além de um pouco deprimente, vídeo “Os Simpsons e a Morte da Paródia” (em inglês, mas dá pra colocar tradução nas legendas automáticas).

Recomendações/Fontes:

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