Influências da mitologia grega na música e religiosidade

Compartilhar:

Autor

Alô família Insenso! Tem um tempo que não apareço por aqui com postagens não é? Pois é. 

Mas retornei (sendo que ninguém pediu) com alguns textos que produzi nos meus últimos períodos na faculdade de música.

 

 Trabalho apresentado para a disciplina História da Música I, pelo Curso de Licenciatura em Música da Universidade Federal do Espírito Santo – UFES, ministrada pelo professor Érico Bomfim.

 

Na Grécia antiga, o surgimento da música estava ligada a mitologia, às divindades, e aos deuses e semi deuses gregos. Apolo era considerado o deus da música, e também era o deus do sol, do equilíbrio, da razão e da iluminação, muito ligado a beleza estética e perfeição. Apesar de sua origem estar relacionada a Apolo, a prática da música não era exclusiva dele, outro deus grego surge como forma de antítese: Dionísio, o Deus das festas e vinho, do excesso e caos, de tudo que escapa da razão. Na antiga cultura grega, essa dicotomia influenciou muito nas artes e religiosidade, tendo até um instrumento musical relacionado a cada um deles: Para Apolo a lira, um instrumento de cordas, considerado belo e harmonioso. Para Dionísio o aulo, um instrumento de palheta, com som estridente e considerado caótico.

 

 

Representação do Aulo

 

Representação da Lira

 

 

Existindo essa oposição na música e nos cultos, alguns filósofos da época começaram a discutir sobre os impactos da música na vida e no espírito das pessoas.

Platão e Aristóteles expressavam seu descontentamento com a música feita por aqueles que cultuavam Dionísio, pois para os filósofos a música era capaz de influenciar o caráter de alguém, era a ideia apresentada pela Doutrina de Ethos. Logo se a música tem tal poder sobre as pessoas, não se deveria ouvir e tocar músicas que fossem muito agitadas, com muitos instrumentos e “caóticas”, pois influenciariam a pessoa a seguir este caminho na vida. Para se tornar uma boa pessoa seria necessário que se ouvisse uma música que trouxesse razão, beleza e iluminação para o espírito, ou seja uma música de Apolo. Sendo assim os filósofos chegaram a pregar uma expulsão da música de Dionísio da sociedade, no livro A história da música ocidental os autores Donald Grout e Claude Palisca demonstram isso:

  “A multiplicidade das notas, as escalas complexas, a combinação de formas e ritmos incongruentes, os conjuntos de instrumentos diferentes entre si, «os instrumentos de muitas cordas e afinação bizarra», até mesmo os fabricantes e tocadores de aulo, deverão ser banidos do estado.“ 

Os pensamentos e ideias que Platão e Aristóteles colocaram através da Doutrina de Ethos ecoaram nas práticas musicais e religiosas que se seguiram ao longo dos anos, mesmo em outras culturas.

A exemplo do cristianismo, que surge séculos mais tarde e depois acaba sendo o principal meio de prática e estudo da música na Europa. Existia a separação entre a música considerada sacra, aquela tocada e estudada dentro das igrejas e com propósitos religiosos, e a música considerada profana, feita fora da igreja e com os mais diversos propósitos, além do religioso. Os próprios nomes dados a esses tipos de música exaltam uma dicotomia e antítese, sacro é algo sagrado e venerável, e profano é o adjetivo dado às coisas que são opostas e alheias à religião. Ouvir música sacra seria bom para o espírito, as composições teriam que ser pensadas na iluminação, exaltando a religiosidade, pois assim se teria uma forma de elevação e de proximidade com o Deus cristão, mas ouvir música profana traria o contrário disso, afastaria a pessoa de Deus. Assim como antes os filósofos gregos sugeriram o banimento da música relacionada a Dionísio, os religiosos cristãos pregavam que a música profana deveria ser esquecida por todos.

“Por conseguinte, foram feitos todos os esforços não apenas para afastar da Igreja essa música, que traria tais abominações ao espírito dos fiéis, como, se possível, para apagar por completo a memória dela.” (GROUT, Donald J; Palisca, Claude. História da música ocidental. Lisboa: Bradiva, 2007. p. 16)

 

É possível notar como a dicotomia prevaleceu, apenas substituindo os nomes, mas com os mesmos significados, Apolo para os gregos seria o equivalente ao sacro para os cristãos da idade média, e Dionísio seria o profano, com relação à música. Essa dualidade em oposição perdura até a modernidade, o filósofo alemão Friedrich Nietzsche, em seu livro “O Nascimento da Tragédia” utilizou da dicotomia surgida na Grécia antiga para criar os termos Apolíneo e Dionisíaco que seriam forças opostas nas artes e criatividade. Para o filósofo, apolíneo seria um termo para aquilo que é comedido, e dionisíaco seria a paixão, ou uma falta de medida. Nietzsche usou os termos para explicar suas ideias e conceitos com relação à sociedade e religião, mas um ponto muito importante colocado por ele, é que não existe nada puramente apolíneo ou dionisíaco. Analisando a dicotomia na Grécia antiga e no cristianismo, pode-se perceber que esse pensamento de Nietzsche também aparece. Mesmo com a tentativa de banir a música referente a Dionísio, ela continuou a ser praticada e mais que isso, influenciou na música da época de tal modo que até hoje tem se registros disso. E a igreja que um dia pregou o esquecimento da música profana, anos mais tarde, conforme a música foi evoluindo, utilizou melodias e canções profanas substituindo as letras pelas missas.

A dicotomia está presente na história ocidental, e principalmente na história da música, ela tem sua importância para como a música foi mudando ao longos dos séculos até chegar no que se conhece hoje como música, e mesmo na atualidade pode se encontrar essa dicotomia, a música dionisíaca pode se encontrar na música popular, que um dia foi chamada de profana, e a música apolínea na música erudita, que um dia foi voltada para o sacro. Mas mesmo assim, nem uma delas é totalmente apolínea, nem totalmente dionisíaca, pois para que seja uma dicotomia, ambos os lados precisam existir.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Posts Relacionados