O que escondem os Guardas da fronteira?

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Em 1987, a Engenheiros do Hawaii lançou seu segundo álbum “A revolta dos Dândis”. Considerado hoje em dia um dos mais importantes para o rock brasileiro, o disco conta com diversos sucessos como “Infinita Highway”, “Terra de gigantes” e “Revolta dos Dândis I”.
Mas não é dessas músicas que viemos falar hoje. Vamos analisar “Guardas da fronteira”, a última faixa do álbum, cantada por Gessinger e Júlio Reny.

[youtube https://www.youtube.com/watch?v=NQx2oK0EjCw]

Letra:

Antes de atirar o vaso na tv
Eu ouvi o que ela dizia
“Quando não houver mais amanhã
Será um belo dia”

Estranha coisa pra se dizer
Antes de dizer os números da loteria
Mas é assim que eles fazem
E fazem muito bem
E nós não fazemos nada, nada, nada
Nada além
Além do mito
Que limita o infinito
E da cegueira
Dos guardas da fronteira
Além do mito que limita o infinito
E da cegueira
Dos guardas da fronteira

Antes de atirar minha tv pela janela
Eu ouvi o que ela dizia
“Quando não houver mais ninguém
Será um belo dia”
Estranha coisa pra se dizer
Antes de vender mais mercadoria
Mas é assim o mundo que nos cerca
Nos cerca muito bem
E as crises e cicatrizes
Não nos deixam ir além

Além do mito
Que limita o infinito
E da cegueira
Das barreiras das fronteiras

Foi então que eu resolvi jogar
As cartas na mesa e o vaso pela janela
Só pra ver o que acontece na vida
Quando alguém faz o que quer com ela

Acontece que eu não tenho escolha
Por isso mesmo é que eu sou livre
Não sou eu o mentiroso
Foi Sartre quem escreveu o livro
Não sou afim de violência
Mas paciência tem limite

Além do mito que limita o infinito
Além do dia-a-dia
Que esvazia a fantasia
Além do mito que limita o infinito
Além do dia-a-dia

Antes de iniciarmos a dissecação, gostaria que você dedicasse um tempo a só ouvir a música, vale muito a pena. O baixo de Gessinger se embola de forma harmônica com a música, com ele, a guitarra e a bateria em aparentes desconversação, a música vira o famoso caos organizado.

Agora que você já percebeu que melodia não é o meu forte, vamos para a interpretação!

Antes de atirar o vaso na tv
Eu ouvi o que ela dizia
“Quando não houver mais amanhã
Será um belo dia”

A música começa com um trecho pequeno, que me lembra muito aquelas tirinhas do “Zalgo”

zalgo creepypasta human form MEMEs

Acho que é porque eu imagino um cara sentado normalmente em seu sofá, a mulher fala isso e ele fica insano. Não consegui realmente extrair algo desse trecho, então vamos para o seguinte.

Estranha coisa pra se dizer
Antes de dizer os números da loteria
Mas é assim que eles fazem
E fazem muito bem
E nós não fazemos nada, nada, nada
Nada além
Além do mito
Que limita o infinito
E da cegueira
Dos guardas da fronteira
Além do mito que limita o infinito
E da cegueira
Dos guardas da fronteira
Antes de atirar minha tv pela janela
Eu ouvi o que ela dizia
“Quando não houver mais ninguém
Será um belo dia”

Ok, agora temos muita coisa de uma só vez. Vamos analisar a parte “Mas é assim que eles fazem, e fazem muito bem. E nós não fazemos nada, nada, nada, nada além; além do mito que limita o infinito”.
Pois bem, agora temos algo mais ou menos concreto. Esse “mito que limita o infinito” é, possivelmente, algo imposto por alguém (os guardas da fronteira?) que limita a nossa capacidade de fazer algo. Imagino que esse “algo” seja o pensamento ou a nossa mente. É comum o pensamento de que nós podemos transcender as barreiras comuns do nosso pensamento (tipo um Nivarna), mas “eles” impedem que nós façamos isso, sabe-se lá porque.
O que temos aqui é que os “guardas da fronteira” (seja lá à quem eles obedecem) impõe barreiras que nos impedem de avançar.
O resto é repetição ou é muito semelhante com o trecho analisado antes, então vamos para o próximo!

Estranha coisa pra se dizer
Antes de vender mais mercadoria
Mas é assim o mundo que nos cerca
Nos cerca muito bem
E as crises e cicatrizes
Não nos deixam ir além
Além do mito
Que limita o infinito

E da cegueira
Das barreiras das fronteiras

“O mundo que nos cerca nos cerca muito bem”, um joguinho de palavras. O mesmo mundo que nos envolve também prende e limita nossas ações, o que me lembra muito o conceito de heteronomia.
Heteronomia é um conceito desenvolvido pelo filósofo alemão Kant, que opõe a autonomia. Segundo Kant, um sujeito age por heteronomia quando segue regras impostas pela sociedade ou por determinado grupo (como uma seita religiosa) que não o inclui. Hoje em dia é muito usado para a argumentação de que não somos livres, afinal de contas somos heterônominos, a sociedade define o que gostamos, o que odiamos, o que nos da prazer e o que causa dor.
“E as crises e cicatrizes não nos deixam ir além”, aqui ele está falando de você mesmo se limitar. É como se você tivesse tentado andar de skate, mas caiu, se machucou, e por isso nunca mais vai tentar.

Foi então que eu resolvi jogar
As cartas na mesa e o vaso pela janela
Só pra ver o que acontece na vida
Quando alguém faz o que quer com ela

A situação aqui é óbvia, o maluco resolveu dar uma de pink e despirocou completamente. O que acontece quando você deixa de seguir o caminho preparado pelos outros e escolhe, sozinho, o seu destino?
Esse trecho parece ser baseado no pensamento de Sartre

Cada pessoa só tem como essência imutável, aquilo que já viveu. Posso saber que o que fui se definiu por algumas características ou qualidades, bem como pelos atos que já realizei, mas tenho a liberdade de mudar minha vida deste momento em diante. Nada me compete a manter esta essência, que só é conhecida em retrospecto.

Assim, podemos entender que o eu lírico resolveu sair do estilo de vida baseado na heteronomia e agora vive fazendo suas próprias escolhas.

Acontece que eu não tenho escolha
Por isso mesmo é que eu sou livre
Não sou eu o mentiroso
Foi Sartre quem escreveu o livro
Não sou afim de violência
Mas paciência tem limite

Aparentemente a 2º fala de um diálogo. “O homem está condenado a ser livre“, disse Sartre. E por isso mesmo não ter a liberdade é ser livre dessa condenação.

Além do mito que limita o infinito
Além do dia-a-dia
Que esvazia a fantasia

Último trecho da música, a monotonia do dia-a-dia nos esvai aos poucos.
Gessinger falaria novamente desse assunto no próximo álbum: “Todo dia a gente inventa uma alegria, a gente esquenta água fria e ignora a bola fora“.
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É com citações de Sartre e decepção por não ter conseguido falar de Camus que eu encerro essa análise de música.

 

Deixe os guardas da fronteira para trás e vá além! Até a próxima!

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